Até 12 de novembro encontra-se a decorrer, em Glasgow, no Reino Unido, a 26.ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP26). Desde dia 1 que têm vindo a ser discutidas soluções para minimizar o impacto das mudanças climáticas. Inundações, tempestades, secas, aumento do nível do mar e alterações crescentes da temperatura, são fenómenos que se fazem já sentir em muitas partes do globo. Estas preocupações foram também alvo de debate, durante todo o mês de outubro, em que decorreu o “Urban October”, com uma agenda de atividades, eventos e debates sobre sustentabilidade urbana promovidos pela UN-Habitat, o programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos.
Outra data que destaco aconteceu há cerca de uma semana, a 31 de outubro. Assinalou-se o Dia Mundial das Cidades, uma celebração estabelecida em 2013, pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução A/RES/68/239. O tema geral de todas as edições desta efeméride é “Melhor Cidade, Melhor Vida”, havendo em cada ano um subtema. O subtema deste ano foi “Adaptação das cidades para a resiliência climática”, tendo tido a prossecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em particular o Objetivo 11 (“Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”), um destaque nesta celebração, contribuindo para a promoção da reflexão sobre a necessidade das cidades enfrentarem, em parcerias e com abordagens inovadoras, os desafios ambientais, sociais, económicos e outros, através da melhor governança nas infraestruturas e serviços disponíveis.
Apesar de gostar mais de me referir aos sítios como lugares, reforçando quase sempre a importância do “local” como espaço de sinergias e de desenvolvimento para a comunidade, também gosto de olhar para a cidades como lugares de inúmeros outros lugares dentro delas.
As cidades, hoje protagonistas no discurso do desenvolvimento sustentável, são pilares estruturantes, não apenas na ação de resistir ao impacto do clima, mitigando perigos e riscos associados, mas também no planeamento e gestão dos recursos e infraestruturas, de preferência promovendo uma estrutura de governança descentralizada, com intervenções políticas e de envolvimento da comunidade.
Quando pensamos que, segundo previsões da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de dois terços da população mundial viverá em áreas urbanas até 2050, somos levados a questionar-nos sobre o papel destas nas nossas vidas, ou vice-versa, assim como somos desafiados a refletir acerca da ação das áreas urbanas sobre tantos outros lugares, especialmente nas suas regiões vizinhas.
A pandemia teve um efeito desproporcional nas populações mais vulneráveis. À medida que o mundo começa a recuperar dos flagelos, as ações postas em prática nos próximos anos pelos lugares mais habitados terão um papel importante na determinação da resiliência futura, no desenvolvimento económico e na garantia das dimensões socio ambientais da sustentabilidade.
Frank Lloyd Wright, consagrado pelo American Institute of Architects, em 1991, como "o maior arquiteto americano de todos os tempos”, descreveu, certa vez, as cidades como a "nossa glória e nossa ameaça", referindo-se ao perigo da cidade mecanizada se transformar para o humano numa espécie de “monstro leviatã”. Caminhamos rapidamente de uma época do Holoceno, em que olhamos para cada lugar de maneira diferente, evidenciando o seu povo, o seu valor, a sua singularidade e o seu caráter, para o novo Antropoceno, cuja ação humana altera o funcionamento e os fluxos naturais do planeta, promovendo intensas mudanças globais.
À medida que os humanos realizam a maior migração urbana de todos os tempos, há que repensar as redes integradas, os ecossistemas e as estruturas necessárias para sustentar o nosso sucesso futuro. A cidade sustentável tem que examinar o ecossistema de forma holística, garantindo que todos os aspetos do sistema da cidade trabalhem em conjunto para os seus habitantes e para o meio ambiente.
A cidade é uma entidade orgânica com identidade própria e capacidade para responder às exigências e necessidades dos seus habitantes, bem como para influenciar o território envolvente. É também um espaço de relações sociais. Os seres humanos são sociais por natureza. Diria até que é fundamental voltarmos à ‘Ágora’ grega, ao centro da vida social, política e comercial da cidade na antiguidade, ou seja, aos conceitos inerentes dos espaços públicos formais enquanto elementos ativos do desenvolvimento dos lugares. Estes espaços, na antiga Grécia, foram, além de locais de troca mercantil, centros de troca de desenvolvimentos sociais, políticos e artísticos, que fomentaram, na verdade, o nascimento da democracia. Na antiga Roma houve também a perceção destes fóruns, do impacto psicológico dos locais públicos como sendo cruciais para decidir os padrões de comportamento dos cidadãos e da sua qualidade de vida. Um espaço público vibrante e de sucesso é aquele que atrai a maior quantidade de pessoas a participar. Aqui se formam amizades e laços comunitários, um senso de identidade cívica e cultural, uma experiência de cidade.
Precisamos repensar significativamente a maneira como imaginamos as cidades do futuro. E se, por um lado, o futuro coloca a modernidade e a tecnologia no centro das discussões, por outro, não pode descurar outras tendências, fenómenos e desafios urbanos que se constituem também como forças dinâmicas. É necessário responder a perguntas sobre o que pode ser sustentado e o que não pode, onde as cidades podem ser localizadas e onde não podem, e como podemos viajar entre elas. A pandemia de coronavírus reforçou ainda mais essa necessidade, levando o mundo a questionar-se sobre os grandes desafios na forma como fisicamente vivemos e trabalhamos juntos.
Ainda uma palavra para a inovação tecnológica, que tem um papel vital a desempenhar na solução dos grandes problemas urbanos, em particular ao reunir a escala, a experiência e o alcance das organizações públicas e privadas. Num mundo em constante mudança devido à revolução digital, a inovação torna-se essencial. Precisamos de explorar um novo conceito de inteligência para a cidade, aproveitando todo o seu potencial transformador. Afinal, as cidades sempre foram associadas a ideias inovadoras e a novas iniciativas sociais. Os desafios na ordem do dia passam inevitavelmente pela mobilidade, saúde e bem-estar, construção, economia, turismo, cultura e segurança, entre outros fatores associados à qualidade de vida urbana, mas também rural.
O desafio é de todos. É global. Mais do que um “delírio”, no Portugalis queremos acreditar que fazemos a nossa parte.