Este é o último “Delírio de Opinião” de 2021, um ano incrivelmente difícil para muitas pessoas. Um ano em que a pandemia condicionou as nossas vidas, desde o primeiro dia, e em que tivemos que nos convencer que era absolutamente necessário adaptarmo-nos ao “novo normal”. Neste fórum, partilho agora um pouco do que ficou para trás, num esforço genuíno de encontrar um olhar otimista naquilo que virá adiante.
Para mim, 2021 foi um ano absolutamente atípico. Por um lado, desafiante. Por outro, carregado de tantos momentos algo disruptivos. Tendo em conta o facto de, em termos profissionais, estar ligado às tecnologias, em particular às tecnologias educativas, especialmente naquele que é o seu papel na capacitação das pessoas e na valorização dos locais, estes foram meses em que não houve mãos a medir.
Numa altura em que urgia preparar os Lugares – as cidades, as vilas, as aldeias e as comunidades – para voltarem a ganhar vida, na esperança de um "voltar ao normal" que teimou, e teima, em não chegar, deparámo-nos todos com a necessidade de um novo olhar. Apesar de este ter sido mais um ano em que estivemos sujeitos a restrições, e que muitas delas ainda permanecem e permanecerão, foi um ano em que pudemos experimentar, de forma contida, o renascimento dos espaços e desses nossos locais. Conseguimos, moderadamente, recuperar daquilo que foi, durante muitos e muitos meses, a ausência de pessoas, o encerramento do comércio, dos museus, dos espaços de lazer, do flagelo das falências e do desemprego, não esquecendo a escalada da desigualdade social. Eis o momento em que foi fundamental olhar para as questões que impactam na vida de cada pessoa.
Criatividade e Inovação são dois conceitos que me acompanham permanentemente. São, na verdade, instrumentos essenciais para repensar o "Lugar" e a identidade do "Local". O 'genius loci', expressão dos antigos gregos para “espírito do lugar”, evocava a regência dos Deuses, dando-lhe um espírito, ou um talento local, que faz de cada lugar único. Não existe uma definição universal para a criatividade, nem para a inovação. Tratam-se de conceitos abertos a interpretações que vão desde a expressão artística até à resolução de problemas no contexto do desenvolvimento económico, social e sustentável, entre muitas outras. No entanto, as Nações Unidas, em particular a UNESCO, não param de tentar aumentar a consciencialização sobre o papel da criatividade e da inovação em todos os aspetos do desenvolvimento humano. Um exemplo disso é o seu "Creative Cities Programme for Sustainable Development", que aponta caminhos promissores para mudar a forma como vemos as cidades, seja revitalizando a economia local, repensando políticas de transporte ou habitação, recuperando espaços urbanos ou abrindo novos horizontes para os jovens.
Em termos do Poder Local, dos seus representantes e formuladores de políticas municipais, criatividade e inovação constituem-se como forças motrizes por detrás de políticas e iniciativas locais. Infelizmente vivemos num país em que as Administrações Públicas progridem a duas ou mais velocidades, fazendo com que apenas alguns entendam estas forças como alavancas estratégicas para fazer face a questões urbanas contemporâneas. Nem a profunda reestruturação exigida na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, ou nas Novas Agendas Urbanas, são, em muitos locais, entendidas como prioridade, impedindo ações no terreno, mas, acima de tudo, relações de cooperação e compromisso, fundamentais para colocar a criatividade e a inovação no centro do desenvolvimento territorial.
Dentro das próprias instituições do Poder Local, conforme atestam alguns 'surveys', identificam-se demasiadas lacunas, ou mesmo ausência de contextos organizacionais indutores da criatividade como capacidade e da inovação como processo, assim como de modelos e práticas efetivas para a exploração bem-sucedida de novas ideias. Um exemplo disso é a escassez de projetos experimentais no âmbito do mecanismo de «direito ao desafio» instituído pela Portaria n.º 186/2018, de 27 de junho.
Nos últimos anos, em que tenho defendido a Educação como promotora da criatividade para os trabalhadores de uma organização, fomentando ambientes que ajudem a libertar a imaginação na procura de soluções novas, fui-me apercebendo da desvalorização do "lugar simbólico para comunicar, partilhar e fazer as coisas de forma diferente" (SIIGeP, 2018). A acanhada adoção de novos modelos de arquitetura organizacional, modelos de governação, cultura organizacional, sistemas de gestão e práticas organizacionais, continua a não se traduzir num benefício para determinadas organizações, constituindo-se mesmo como um prejuízo para aqueles que se empenham no processo. Pessoalmente, vivenciei na primeira pessoa esta realidade, tendo visto as competências individuais de suporte a processos de inovação serem totalmente desvalorizadas em sede de avaliação de objetivos, e que vai muito para além da inexistência de uma estrutura legislativa que suporte a iniciativa e que potencie padrões motivacionais. Há ainda um longo caminho a percorrer no que respeita aos facilitadores de inovação na Administração Pública.
Há ainda uma cultura que tem que mudar, de forma a promover lideranças fortes, que mantenham coesas as equipas, a capacitação das pessoas, conferindo-lhes autonomia, fomentando o trabalho colaborativo e a partilha de conhecimentos, assim como o desenvolvimento de um clima de confiança, facilitador do envolvimento das pessoas na discussão dos problemas e na criação de soluções. A OCDE, assim como outras instituições internacionais, têm vindo a alertar para a necessidade de se construir uma resposta coerente para uma recuperação sustentável pós-COVID-19. Vivemos uma crise que veio destacar ainda mais a vulnerabilidade de vários dos nossos sistemas básicos, desde saúde, proteção social, educação, cadeias de valor, redes de produção, mercados financeiros e até o próprio equilíbrio dos ecossistemas. Nunca como agora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram tão relevantes naquela que deve ser a transformação das condições sistémicas que perpetuam as vulnerabilidades das nossas sociedades e economias.
É preciso não esquecer que vimos, desde finais de 2019, a defrontar esta eclosão da COVID-19. E, diga-se em abono da verdade, com uma capacidade e agilidade impressionante. A par de uma abordagem flexível, ainda que bastante comedida, para a resolução de problemas, não posso deixar de assinalar como o uso de tecnologia tem sido omnipresente em todos estes esforços. Por isso, neste fecho de ano, olho para os meus "Lugares" com orgulho e gratidão por me ter sido dado o privilégio, a título profissional, de ter feito parte de alguns dos momentos, assim como de alguns projetos, inovadores.
Termino com palavras que retiro de um poema tradicional chinês: “A duração do tempo depende das nossas ideias. O tamanho do espaço depende dos nossos sentimentos."
Entretanto, desejo umas Boas festas para todos. Até para o ano.