Pelo menos para os não tão jovens, o título deste delírio contém as palavras e a sabedoria de um ditado popular que não lhes será estranho. Em minha casa ouvi-o, repetido até à exaustão, das duas gerações que me antecederam. Vou tentando, no mínimo, itera-lo também junto das gerações que me sucedem.
Num mundo cada vez mais globalizado, todos somos agentes da mudança. Mas, acima de tudo, somos cada vez mais responsáveis pela mudança que acontece connosco e sobre os destinos das nossas vidas. Há muito que a nossa existência deixou de se pautar por percursos pré-determinados. Nascer, estudar, emancipar-se, arranjar um emprego (para a vida), casar, comprar uma casa e um carro, ter filhos e criar os netos não é mais um roteiro estabelecido, e muito menos obrigatório.
Ao mesmo tempo que o mundo se tornou mais próximo, mais global, também nós fomos sendo obrigados a aderir à mudança. Hoje, é responsabilidade de cada indivíduo agir em prol do desenvolvimento e de um futuro sustentável. Cada um de nós tem agora uma tarefa a desempenhar na melhoria do nosso bem-estar, da nossa segurança, da nossa educação, da sustentabilidade do nosso local, do nosso mundo, aproveitando o poder da informação, testemunhando e agindo sobre os resultados que constantemente mudam drasticamente as “regras do jogo”.
As tecnologias da informação e comunicação (TIC) têm o potencial de fornecer soluções e instrumentos aos desafios que enfrentamos, em particular nos contextos da globalização e do desenvolvimento. Promovem a competitividade, o acesso à informação e ao conhecimento, a inclusão social, contribuindo também, por sua vez, para agilizar a integração de todos os países, especialmente os países ainda em desenvolvimento na economia global.
Há uma necessidade premente de abordar os obstáculos que ainda subsistem no acesso às novas tecnologias, desde recursos e infraestruturas insuficientes, falta de capacidade de investimento e carências na educação e na capacitação. Aquilo a que chamamos “fosso digital”, socialmente relevante para a vida das pessoas em sociedade, é agora um desafio enorme para a humanidade transpor, uma vez que compromete a liberdade real que as pessoas comuns têm de decidir quem querem ser, o que fazer e como viver.
Parece-me oportuno relembrar aqui o conceito de desenvolvimento humano, cuja origem remonta ao início dos anos 70 do século passado, desenvolvido pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq. Trata-se do processo de ampliar as liberdades e oportunidades das pessoas, tendo em vista a melhoria do seu bem-estar. E isto implica refletirmos sobre outro conceito, ou seja, o de capacidade, central para a abordagem ao desenvolvimento humano. Capacidade é o que uma pessoa pode fazer e no que se pode tornar. Trata-se, na verdade, de uma espécie de equipamento ou apetrechamento de que se dispõe – lembremo-nos da metáfora da mochila pessoal – para construir uma vida de valor.
Além das capacidades básicas valorizadas por quase todos, como o acesso à saúde, à justiça ou à educação no sentido mais lato, o conhecimento (aqui metaforizado também como “saber”) é essencial, já que é determinante para a participação nas decisões que afetam as nossas vidas e permite um maior controlo sobre o ambiente em que vivemos, desejavelmente numa sociedade livre.
Tal como em Haq, poderia recrutar também o pensamento de inúmeras outras figuras cruciais. Mas, centrando-me apenas no conceito da capacitação, como elemento de realização do potencial humano, recruto dois autores que estudei no campo do direito e da ética, designadamente os filósofos Amartya Sem, reconhecido economista indiano, Prémio Nobel de Economia em 1998, com a sua contribuição para as teorias da escolha social e do bem-estar social, e Martha Nussbaum, uma das mais importantes filósofas dos Estados Unidos, cuja investigação se tem centrado no enfoque sobre as capacidades humanas, através de uma proposta filosófica aristotélica baseada na dignidade enquanto atributo inerente a todos os seres humanos e que constitui uma das máximas de um Estado Democrático de Direito.
Nestes filósofos encontramos uma abordagem da capacidade enquanto estrutura normativa usada para analisar o bem-estar, frequentemente empregue para entender os problemas do desenvolvimento. Capacitar as pessoas é dar-lhes as ferramentas de que precisam para vislumbrarem “uma vida boa”, serem capazes de traçar o seu próprio curso e aproveitar as oportunidades. Penso que será indiscutível, nesta questão, repensar a educação, especialmente na formação para a ética, não descurando outros aspetos de uma reflexão mais abrangente que terá que ser tratada noutra ocasião.
A questão da ética da informação não pode ser omissa quando analisamos os temas da informação e do desenvolvimento. Pudemos constatá-lo, por exemplo, há dias atrás, com a realização da COP26, cujos resultados ficaram aquém do que o mundo esperava. E não apenas nos tão falados acordos com que a comunicação social se preocupou tanto. Ficou aquém na difusão de informação e na mobilização da opinião pública, especialmente dos jovens, a quem é tão importante chamar a atenção e sensibilizar para a problemática do desenvolvimento. As metas estabelecidas pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que reconhecem e tratam os desafios globais que deverão ser alcançados até 2030, ficaram, vá-se lá saber porquê, à margem.
Perante a ameaça do controlo da informação, parece-me fazer todo o sentido refletir acerca do saber, dando ênfase à importância da informação e do conhecimento nos dias que correm. O processo de disseminação e gestão da informação traz também consigo requisitos éticos, que podem influenciar diretamente o desenvolvimento da informação e condicionar a vida das pessoas. Porque os valores éticos essenciais não são inatos, teremos que conseguir dar a orientação necessária para que estes possam ser delineados, a fim de promover um ambiente de informação mutuamente benéfico para todos os envolvidos. Veja-se, por exemplo, o turbilhão provocado pelas “Fake-News”, cujas razões ultrapassaram já em muito as questões técnicas, sendo sobretudo éticas ou morais. A desinformação e as notícias falsas têm o potencial de polarizar a opinião pública, de promover o extremismo violento e o discurso de ódio e, em última análise, minar as democracias e reduzir a confiança nos processos democráticos. Não será vital que as escolas forneçam aos alunos uma educação sólida em Literacias mediáticas e de informação como parte dos currículos? Que apoio recebem os nossos professores na sua capacitação para, por sua vez, poderem transmitir as competências necessárias aos seus alunos, para compreenderem e avaliarem criticamente as informações veiculadas por todas as formas de ‘mídia’, especialmente as digitais?
Hoje podemos concluir que a tecnologia não é a única variável influenciadora da informação. A busca por uma sociedade informada e justa carece de projetos em parceria com autoridades nacionais e locais, assim como com organizações ligadas aos ‘mídia’. Princípios éticos e ética da informação precisam-se. E, porque o saber não ocupa lugar, é urgente incorporar na educação a transmissão de princípios básicos acerca de padrões sociais e morais para o uso da informação, como a própria construção da responsabilidade de quem aprende, pelas informações e pelo cultivo da sua capacidade de fazer julgamentos morais e éticos com relação ao uso da informação. A capacidade de responder criticamente à desinformação é hoje muito mais do que uma ferramenta de proteção. Trata-se sim de uma importante competência democrática de direito próprio de qualquer cidadão.