Vivemos tempos de grandes transformações, em que o mundo parece acelerar ao nosso redor. São muitas as circunstâncias em que a nossa “velha” maneira de viver a vida parece já não se adequar. Um exemplo flagrante prende-se com o desdobramento dos impactos da inovação tecnológica, ao mesmo tempo que assistimos a uma profunda transformação social e económica global.
A propósito destas reflexões, tenho ouvido com mais frequência a referência a um acrónimo que muitos, certamente, já conhecem: VUCA ('Volatility', 'Uncertainty', 'Complexity' e 'Ambiguity'). Trata-se de uma sigla criada por dois economistas, Warren Bennis e Burt Nanus, em meados dos anos 80, que abrevia quatro conceitos, designadamente volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Na verdade, parece estar na moda, ou ser usada como muleta para significar qualquer coisa como “o mundo está louco” e não vale a pena pensar como transformá-lo.
Pessoalmente, gosto de olhar para este tipo de indícios como desafios que exigem respostas. Vivemos hoje numa sociedade conectada, onde as mudanças podem ser rápidas, sucessivas e imprevisíveis. É preciso não esquecer que saímos agora de um hiato temporal, provocado pela pandemia de COVID19, e que nem sequer tivemos tempo para nos preparar para situações de turbulência, perigo e imprevisibilidade como aquelas que se fazem sentir, derivadas, por exemplo, do conflito na Ucrânia. Tudo isto contribuiu para interromper um fluxo de certeza, estabilidade e familiaridade que, apesar das sucessivas crises (quem não sentiu a financeira?), pensávamos viver.
Gosto de acreditar que todos nós temos a capacidade de transformar as nossas vidas. Mudar a maneira como pensamos e vivemos é fundamental para que possamos criar uma realidade melhor para nós mesmos e para os outros, e resistir às forças turbulentas e imprevisíveis da mudança, leia-se aqui as quatro ameaças VUCA, que nos podem afetar. Na verdade, foi nesse sentido que Bob Johansen, do Institute for the Future, adaptou o VUCA para o mundo dos negócios, no seu livro de 2009 intitulado “Leaders Make the Future”. Johansen inspirou-se no uso que foi feito pelo United States Army War College, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, em que a estratégia militar teve que se adaptar ao ambiente de insegurança internacional entretanto surgido, radicalmente diferente e desconhecido. O VUCA foi, em ambos os períodos, utilizado como incentivo para a busca de novas habilidades, abordagens e comportamentos para gerir a nova complexidade.
Quando olho para o meu mundo VUCA, tento evitar abordagens tradicionais e desatualizadas de gestão de vida e de trabalho diário. Decididamente, já não me restam dúvidas: elas não se adequam mesmo. Lembro-me daquela máxima, atribuída a Albert Einstein, em que ele diz que fazer tudo da mesma maneira e esperar resultados diferentes é sinal de loucura. Não é fácil encontrar e adaptar processos novos, mais ágeis e pragmáticos, mas estes são a chave para viver num mundo assim, volatilil, incerto, complexo e ambíguo.
Como se não fosse já preocupante lidar com o VUCA, outro acrónimo tem vindo a entrar no mainstream. BANI ('Brittle', 'Anxious', 'Nonlinear' and 'Incomprehensible') tem sido apontado como proposta para substituir o termo VUCA numa “lógica significativa”. Foi criado em 2020, por Jamais Caisco, antropólogo americano do Instituto do Futuro, em Palo Alto, no seu libro “Facing the Age of Chaos”. Caisto é considerado um futurista, tendo entrado, em 2009, para a lista dos 100 Pensadores Globais da revista Foreign Policy, depois de se tornar conhecido pelo seu famoso TED sobre o futuro da humanidade num cenário imprevisível. As palavras em causa são agora frágil, ansioso, não-linear e incompreensível. O que é interessante é que estes dois termos não precisam de ser conflituantes, nem sequer um ser substituto do outro. Eles acabam por apresentar asserções complementares. Se VUCA ajuda a compreender os fenómenos de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade e a relacioná-los com o seu próprio contexto, BANI contribui para entender melhor os seus efeitos e o que eles nos fazem, quer enquanto indivíduos, quer enquanto organizações.
Quem não se sente hoje, em tantas situações, como se estivesse dentro de um filme não linear, num tempo errado, vendo as coisas irem e voltarem sucessivamente? Para um niilista é relativamente fácil não confiar nos sistemas, mesmo quando parecem confiáveis e flexíveis. Também é inteligível que não faça sentido fazer planos a longo prazo, uma vez que não existe mais início, meio e fim. O presente não é claro e o futuro é incerto. Se lhe juntarmos ansiedade, temos uma mistura perfeita. É que embora as tecnologias existam para nos ajudar a tomar decisões, inevitavelmente sentimo-nos impotentes e incapazes de fazer escolhas importantes em tempos de tensão, o que nos conduz para uma certa passividade e inação, tornando-nos dependentes das escolhas dos outros. Contudo, é fundamental sabermos lidar com as circunstâncias de forma positiva, distanciarmo-nos das situações, ver os aspetos positivos e as oportunidades, e desenvolvermos soluções criativas para resolução dos problemas. Deixem-me dizer que um pouco de inteligência emocional ajuda muito. Foco, visão, compreensão, clareza e agilidade são os princípios orientadores que elejo para transformar as pseudoameaças em vantagens.
No meu mundo VUCA, ou na forma como tento encará-lo, tento resistir àquela obstinação do ser humano de encontrar respostas, ou razão, para tudo. No cenário atual nem sempre é possível encontrá-las. E, ao contrário do que se possa pensar, ter mais informação não significa alcançar mais significado para as coisas que acontecem. Na verdade, é exatamente o oposto, tendo em conta que o ruído aumenta, as variáreis desdobram-se, tornando impossível encontrar verdades universais. E, quando a única opção é seguir em frente, o melhor é prepararmo-nos, com as habilidades que temos à nossa disposição, para a imprevisibilidade que enfrentaremos. A minha opção tem sido por uma resposta contraintuitiva, concentrada no hoje e não no futuro. Tento investir na formação em competências contextuais e no desenvolvimento de competências relevantes, que respondam às necessidades e que potenciem a autorresponsabilidade, a autoeficácia e a sustentabilidade. Sigo muito no sentido do incentivo de Bob Johansen, em procurar novas abordagens e comportamentos para gerir a nova complexidade. Aliás, o próprio Johansen redefiniu a tradução para VUCA para quatro novas palavras de conotação positiva: Visão, Entendimento, Clareza, Adaptabilidade.
Numa visão algo aristotélica, os nossos hábitos e comportamentos de hoje moldam o nosso eu e o nosso futuro. Isto significa que colocar o foco em fazer a coisa certa hoje é geralmente a melhor preparação para o nosso eu de amanhã. Uma das coisas que a Filosofia nos mostra é que a forma de se florescer como humano não mudou muito desde os dias de Aristóteles. E, quando penso no que serão as minhas necessidades futuras, não posso ficar dependente de respostas imprevisíveis, como saber se o meu posto de trabalho será extinto, se o meu filho será bem-sucedido, no que farei se surgir uma doença grave ou se terei reforma, para dar apenas alguns exemplos. Tento usar a liberdade que tenho, e a capacidade de fazer escolhas sobre a minha vida, de acordo com os meus valores e interesses. Tento trabalhar com outras pessoas para tornar o mundo melhor para mim e para os que me rodeiam. A verdade é que as nossas necessidades sociopsicológicas centrais permanecem constantes, seja em termos de relacionamentos significativos, de perseguir os nossos interesses ou de sentir que podemos dominar o nosso ambiente social e físico. Ou seja, a nossa necessidade de sermos competentes, autónomos e de termos um propósito.
Independentemente de como o meu futuro VUCA se desenrole, enquanto ser social tenho que lidar com muitas das mesmas questões com as quais sempre lidei. Isso significa que, independentemente do que o futuro possa trazer, quero continuar a tentar ser criativo, a preservar uma perspetiva humanista, a ser um cidadão empático e a não esquecer os meus princípios e valores. Com isto espero poder enfrentar as grandes e complexas questões e colaborar, entre as linhas da diferença, para uma sociedade saudável além de mim mesmo.
O florescimento individual e a prosperidade social reforçam-se mutuamente. Quando as nossas sociedades e comunidades prosperam, as necessidades básicas dos indivíduos são atendidas e eles têm a liberdade de fazer escolhas que se alinhem com os seus interesses e valores. Quando os indivíduos florescem, eles estão mais dispostos a contribuírem para o coletivo e a considerar as necessidades dos outros, e sentem-se mais capazes de se sacrificarem pelo bem de todos.
Termino com uma frase de John Dewey que diz: “Quando a preparação se torna o fim controlador, então as potencialidades do presente são sacrificadas a um futuro suposto. Quando isso acontece, a preparação real para o futuro é perdida ou distorcida.”